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Poesia: Ecos do Outono

Por Ana D´Avila*



Um barulhinho atrevido fazia as folhas das árvores  passearem pela rua num compasso mágico. Uma delas em formato de coração, na cor marron , tinha um jeito até de se comunicar. Corria em disparada, ora saltando ora acompanhando o vento. Era a mais bonita.  E ao mesmo tempo, a mais interessante. Neste seu bailado, fazia um som que parecia um idioma. Se pensássemos numa linguagem, era ela que dialogava.  E como gesticulava, e como dançava e, como falava.


O silêncio era tanto que a folha parecia ter uma voz percorrendo a rua daquela forma. Eu a amei desde o primeiro andar na rua molhada. Ela seguia em frente. Sempre beirando o meio fio e parecendo sussurar   na madrugada.


A madrugada estava acompanhada de uma brisa marítima. Que fazia a cena se transformar num filme de Almadovar. Cheio de mistério, amor e encantamento. Já quase me imaginei numa platéia de cinema batendo palmas para a estrela principal: a folha andante.


Pelas duas horas da madrugada resolvi dormir e fechar a janela. A folhinha continuou seu caminho. Exausta ou não caminhava firme pela rua úmida. O som que ela fazia ao bater no asfalto era encantador.


Eu admirei aquele som que ela fazia. Adiante e quase sem sentido surgem vultos humanos. Um homem e uma mulher seguem em direção ao mar. O que farão passeando na madrugada? Qual o motivo do seu passeio?


Não obtive resposta. Mas imaginei. Uma certa aflição talvez os dominasse. Era outono e ainda assim o verão continuava. Estava quente. Talvez não estivessem conseguindo dormir. Talvez saíram em busca de alguma farmácia. Eram de meia idade. Quem sabe comprariam algum medicamento para pressão ou algum antidepressivo.


Seguiam. Depois dobraram a esquina e desapareceram junto à névoa fina que vinha do mar.Junto a alguma saudade que povoava seus corações já vividos e enclausurados em seus corpos nús. Tão nús como a vida que ora levavam. No ócio. Na total falta de atividades.



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*Ana D'Avila

Jornalista, cronista e poetisa.


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