Por Daniela Fonseca*
O que está acontecendo atualmente no cenário mundial, a pandemia, trouxe muitos estranhos para dentro das casas.
Há muitos estranhos dentro de nossas casas, ou seja, temos elementos novos que entraram em nossas casas e não tivemos tempo para apresentações, preparações ou adequações. Não tivemos o direito de negar. As portas e janelas ficaram abertas inevitavelmente.
Diante de tantos estranhamentos possíveis no cenário, ao refletirmos sobre apenas três, a escola, o tempo e o medo já podemos identificar algumas desorganizações.
A escola dentro de casa é um estranhamento
A escola veio para dentro de casa e isso não é simples, é complexo e que nos desloca. O tempo e o espaço passam as ser divididos e ao mesmo tempo se misturam. Discussões como a importância de dar conta do currículo escolar das crianças, as famílias que não têm tempo para ajudar, porque estão trabalhando, ou porque não têm formação adequada para uma mediação séria como essa. Ou aquelas famílias que não possuem - e são muitas - as condições materiais para dar conta de tamanha responsabilidade.
Isso afeta também os ânimos das crianças e consequentemente da família toda, da casa toda. Ora, as crianças tiveram seu tempo e espaço escolar com amigos, brincadeiras e risadas, interrompidas.
Precisamos pensar nas memórias que esse momento histórico vai marcar nas crianças.
A escola é um estranhamento de peso dentro das casas. Aqui nesse primeiro estranhamento, a casa já começa a parecer em desordem.
O tempo é um estranhamento às casas
Há casas em que o convívio entre as pessoas tornou-se um estranho. Conviver por tempo integral no mesmo espaço é um estranhamento. As camadas de tintas das paredes parecem mostrar o que realmente há por trás das cores, dos quadros de flores.
Antes não tínhamos tempo de perceber ou até mesmo de nos preocuparmos, agora temos o tempo para esta percepção. O tempo de convivência precisa ser enfrentado também com as pessoas, com os móveis, a limpeza e a sujeira, interna e externa. Existem poeiras que irão aparecer.
As desordens são inevitáveis, sejam internas ou externamente, seja a casa em sua concretude, seja a mente. São estranhamentos internos e externos.
E lidar com a desestabilização causada com os estranhamentos é necessário.
Buscar os elementos necessários em uma boa base é estratégia, é tática. É preciso identificar quais são nossas bases mais sólidas para não deixarmos que esta casa desmorone.
O medo diante do estranhamento entra nas casas
O medo é um afeto que sempre esteve acompanhando a história de nossas vidas, é um velho conhecido.
Esse afeto se evidencia com as questões do mercado, ou seja, medo de perder o ano escolar – medo de perder o emprego ou medo de ficar doente. Medo das pessoas agora nesse cenário – e isso associado aos medos que já nos eram conhecidos, acomodados, que já estávamos familiarizados.
Perceber essa vulnerabilidade é um passo importante, para organizarmos as novas relações e estabilizarmos - de certa forma - as bases com esses novos elementos. Precisamos achar o equilíbrio entre a vida de antes, a vida de agora e a vida que virá, porque ainda virão novos estranhamentos.
Se focarmos apenas nos estranhamentos citados, a escola, o tempo e medo, já podemos perceber que a casa está desestabilizada, desorganizada em relação àqueles moldes aos quais estávamos habituados.
Não há como manter a mesma organização com a chegada de tantos estrangeiros de peso como esses. E essa organização é da casa e da mente. Há relação quase que direta.
Não há como negar que a entrada dos estranhamentos trouxe muitas mudanças em diversos aspectos, sejam internas ou externas. O estranhamento, o novo, o diferente, desestabilizaram a casa.
Como organizar a casa com os novos estranhamentos?
O momento nos obriga necessariamente a identificar quais os arranjos mais adequados e equilibrados a casa. Os arranjos que conhecíamos foram desconfigurados, é preciso reconfigurar!
É preciso organizar no desorganizado, e desorganizar o que estava organizado, para reorganizar. É o global e local. Macro e micro em constante relação na busca do equilíbrio
E saber quais serão as bases que iremos buscar para equilibrar os novos estranhamentos, é necessário. O equilíbrio entre o interno e o externo nessa nova configuração e que não sabemos quanto tempo vai durar, e ainda, outros estranhamentos que virão às casas se faz necessário a sobrevivência.
Devemos estar atentos para identificar as bases que nos darão equilíbrio para enfrentar, lidar e adequar-se o novo.
Cada família, cada pessoa em seus contextos, deverá buscar na sua história, nas suas memórias as suas fortalezas, o seu equilíbrio.
É preciso buscar as bases que temos para o enfrentamento.
Família é casa: os ancestrais e todos os ensinamentos que tivemos ao longo da vida sobre momentos de crise.
Equilíbrio é casa: adeque o interno com o externo – a mente e o meio.
Respiração é casa: respire fundo.
Higiene é casa: o limpo nunca foi tão valorizado. E limpar é simples. Água e sabão.
Utopia é casa: apoiar-se nas concepções de bem-estar, de fé, presente e futuro.
Arte é casa: a humanidade em diversos momentos de sua história buscou nas diversas formas de arte a vazão para a pressão interna, a música, a poesia. Pinte.
Natureza é casa: é forca. Estamos passando pelas folhas caídas alaranjadas do outono, passaremos pelo inverno e o branco de suas geadas, e sentiremos os cheiros das flores coloridas da primavera, o sol chegará como sempre chegou.
Nossa história começa em casa
Nossas bases são fundamentais para o enfrentamento de novas realidades – adequar-se as mudanças. Estamos na construção de uma história e devemos estar conscientes de quais narrativas queremos contar sobre este espaço, quais palavras e quais sentidos queremos fortalecer como base para passar por esse momento se faz necessário refletir.
Até a próxima reflexão.
Daniela Fonseca
*Autora: Daniela Fonseca Gonçalves
Professora e Mestre em Educação Linha Educação e Infância/UFSC
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